INTERIORRRR... DE SÃO PAULO : MARILIA E SÃO CARLOS
10-06-1996
No avião Fokker da TAM para Presidente Prudente iam muitos peões-de-boiadeiros, cavaleiros de chapéus vistosos e cintos largos, com fivelas imensas, botas e toda a indumentária country próprias dos rodeios. Eram os profissionais dos shows das feiras agro-pecuárias, de competições milionárias da doma de cavalos e da monta de bois “brabos”. Faziam o mesmo estardalhaço lá nas alturas quanto suas plateias enlouquecidas. E bebiam cervejas em lata.
Havia peões brancos, negros e até um nissei ou sansei assumidamente caipira. Do ” interiorrrr...”
Descemos em Marília e a turma, já quase ébria, continuou a viagem..
Fui com a professora Suzanna Pinheiro Muller, colega de trabalho na Universidade de Brasília, para um (primeiro) Simpósio Científico. Eu, na condição de conferencista e ela, com a Prof. Graça Luz, de Londrina, como debatedoras.
Uma plateia de professores e estudantes em ambiente muito solidário.
Nem deu para percorrer as ruas centrais da cidade. Vê-se, ao longe, da área do campus universitário, que foram (ou estão sendo construídos) novos espigões, de bom padrão de acabamento.
Dormimos no luxuoso Sun Valley Hotel, no estilo colonial, muito bonito.
Na noite seguinte já estávamos na estrada para São Carlos, em carro da universidade. Umas três horas de viagem.
Estradas boas, mas nada comparáveis àquelas autopistas que partem da capital paulista em diversas direções.
Os caminhos entre estas rodovias principais são mais primitivos, de mão dupla, embora com asfalto bem conservado.
As únicas cidades avistáveis no percurso foram Bauru e Jaú, com silhuetas iluminadas de seus edifícios.
São Carlos também cresceu muito — sobretudo verticalmente — desde a minha última visita há quase uma década. Cidade de ruas íngremes, com um longo tobogã.
Tem duas universidades — uma estadual e a outra federal. Para esta última foi transferido o antigo curso de Biblioteconomia, era mantido pela Prefeitura, incorporando ao título também de Ciência da Informação.
Nossa missão era, pela manhã, discutir o novo currículo com os professores e, eventualmente, fazer sugestões.
Pela noite visitamos a nova Biblioteca Central — enorme, com 14.000 m2 — e fomos para o auditório, onde daríamos uma palestra dirigida à comunidade.
Havia bastante gente — umas cem pessoas — considerando-se que o tema (profissionalismo) era de interesse restrito.
O salão era fechado, a platéia em aclive e a acústica boa.
Sem microfone, Suzanna Pinheiro Muller começou o seu discurso, com muita competência. Invocou os especialistas do ramo e enveredou pelos desvios filosóficos do velho Ortega y Gasset. De repente, faltou luz. Surgiram isqueiros aqui e acolá. (Numa das raras oportunidades em que os fumantes assumem algo positivo...)
Consultei a conferencista e opinei que continuasse a palestra no escuro, com um mínimo de luz de um isqueiro ou outro. Interromper, seria pior. Quebraria o ritmo de sua exposição. Ela reiniciou, ironizando sobre o temor de vir a ter uma sala vazia ao final da sessão.
Eu dei continuidade, já com o auxílio de uma vela.
Um silêncio solidário, interessado. O que esteve sob a ameaça de um fracasso, acabou transformando-se em absoluto sucesso.
Aplausos, perguntas, felicitações. E a luz não voltou até à hora em que regressamos para o hotel.
O retorno para Brasília foi num dos aviões menores da TAM, partindo do pequeno aeroporto da Ribeirão Preto.
Voo baixo, numa manhã de muita luminosidade.
Escala em Uberaba, onde pipocam os edifícios novos, de traços pós-modernistas, num cenário interiorano. Coisas do Brasil.
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